Muros monocromáticos estão passando pela transformação do multicolorido pelas mãos do artista que faz críticas à sociedade
Por Kássia Hoshi
O publicitário Rodrigo Abreu faz uma crítica bem-humorada às crateras no asfalto da cidade |
Quase seis da
manhã e a lua que minguava lá no céu estava indo embora, enquanto a do asfalto
da Rua Manoel Ferreira Neto, tomava sua forma de cheia. O pintor que mais
tarde, viraria astronauta e pisaria na lua pintada no meio do asfalto, é
Rodrigo Abreu Araújo, publicitário e idealizador do projeto Turma da Rua.
Como toda
criança agitada, em sua infância Rodrigo ganhava lápis de sua mãe para que se
aquietasse. Passado vários anos, hoje como ilustrador, ele se aquieta
grafitando o muro das pessoas, e de graça. Tudo começou com a pintura no muro
para uma amiga, Ana Paula Masseu Castro. A turma se reuniu e decidiu fazer uma
homenagem aos cinco anos da Folia de Reis “Estrela da Mantiqueira”. “Todo mundo
participou, todo mundo se divertiu e o muro ficou tão legal”, aponta o artista
como motivo para continuar fazendo a arte.
Foram no
total seis muros pintados até agora, o último aconteceu no dia 13 de Abril, na
Avenida Professor José Jeronymo de Souza Filho, no bairro da Independência. A
bromélia pomposa deu lugar à antiga pichação que incitava a consciência, essa
que tornou a ser consciência artisticamente alegre. A chuva talvez seja a maior
inimiga de Rodrigo. De mansinho ela interrompeu todo o processo, fazendo-os
voltar no dia seguinte, somando no total sete horas de trabalho para completar
a pintura. Simone Marcondes Carro, dona do muro e paisagista, não só amou o
desenho como acredita que falta um grande projeto para a cidade. “Se o prefeito
se conscientizar que o mundo da arte é o caminho chave, não precisa muita coisa”
avalia.
Pelas mãos de Rodrigo Abreu e dos amigos, uma bromélia surgiu radiante por cima da antiga pichação num muro da cidade |
Decepcionado
com a profissão, por engessar a sua criatividade, Rodrigo viu na ideia um ponto
de liberdade. Aos fins de semana o publicitário e a Turma da Rua - que conta
com os amigos: Ana Paula, Danilo C. Monteiro, Talita Domingos e Amauri Goulart,
que são companheiros de longa data e se dedicam ao projeto – saem bem cedinho
para pintar os muros já combinados com os donos. A única coisa que se pede é a
doação de materiais, o desenho vai do consenso entre o artista e o dono. O
resto é botar a mão na tinta e fazer arte.
O professor
de arquitetura, Flávio Brant Mourão, explica que as cidades do país se perderam
em meio ao desenvolvimento. “Não nos preparamos para uma nova realidade, nós
deixamos de ser uma cidade antiga com sua tradição e não ficamos modernos”, conceitua.
Quando a arte é desenvolvida dentro do ambiente urbano demonstra que ele
precisa ser melhorado e Flávio encara o grafite como uma situação em que as
pessoas têm de por mais cor na cidade e se expressarem de uma maneira melhor.
Na psicologia
das cores, o cinza é a cor da tristeza, por isso muitas vezes as cidades de asfalto
e concreto são atreladas a esse sentimento. “Essa era de viadutos, grandes
construções acaba tendo uma certa frieza nesse espaço, e na realidade o que se
quer é um espaço mais alegre”, analisa Mourão.
O resultado final foi uma bromélia multicolorida pintada pela Turma da Rua |
Passava das
oito da manhã daquele sábado quando um senhor que passeava com seu cão parou
por curiosidade para observar a pintura que se iniciava. Seu Benedito Monteiro
Sobrinho, de 74 anos, acha bonito esse tipo de iniciativa. “Dá mais vontade de
viver”, acrescenta. Outro admirador talvez seja o vendedor que pedalava ao
redor da praça do lado do grafite. “Fazendo arte, isso pode”, falou.
Como todo
artista a questão que Rodrigo põe em cena é o abandono dos espaços e da pressa
de hoje em dia. “Às vezes a gente tá nessa correria e ta tudo meio feio e
ninguém percebe”, ressalta o grafiteiro. As pessoas, para ele, só vão perceber
o meio em que estão inseridas quando ocorrer uma grande mudança, quando algo
com cor mudar o antigo cinza. “Isso faz as pessoas criarem a consciência de ser
cidadão, de que você também pode ajudar e fazer coisas mais legais para a
cidade”.
Rodrigo conta
que não é o primeiro a realizar esse tipo de projeto, iniciativas como a
apoiada pelo Google, chamada de Color+City, nascida na cidade de São Paulo, tem
como ideia juntar o artista e o dono de um muro de qualquer cidade, pela rede
do Google+ por meio do site www.colorpluscity.com.br. A intenção é a mesma de
Rodrigo, transformar o monocromático em multicolorido.
A antiga pichação lê-se a palavra consciência, já apagada pelo tempo, que foi substituída pela arte de Rodrigo |
A lua já não
mais está na rua, voltou para o céu onde é seu lugar. Mais uma vez foi a chuva responsável
por isso. Ela também atrapalhou o grafiteiro em outra tarefa. O alvo foi a casa
de Renata Maria Monteiro Stochero, publicitária e amiga do artista. Foram oito
horas distribuídas em dois dias por causa da danada da chuva. Mas tanto
trabalho não foi em vão. A mudança que Rodrigo gera em torno das confecções é o
fator, que para Renata, o distingue dos outros grafiteiros. “As pessoas
passavam aplaudindo de carro, gente fazendo joinha, gente que tava a pé parou e
conversou”, destaca Renata que admira a ideia do projeto.
A
publicitária acentua que o grande diferencial da Turma da Rua está ai, nas
emoções que ele desperta ao realizar os grafites. “Você vê que todo mundo tem
um pouco de carência de cor, de vida, de arte”. Rodrigo segue lutando contra a
chuva e recebendo doações de muros para realizar as transformações pela cidade
com ‘mais cor, por favor’.